Lembro bem do dia 1° maio de 1994. Eu sei que faz muito tempo, mas é que certas coisas ficam registradas em nossas mentes por muito (ou todo) tempo. Lembro que era um dia de sol intenso e que eu brincava na rua, enquanto meu pai estava na casa do vizinho, ajudando a ajeitar a antena. Até que a "paz" de domingo deu lugar a gritos, angústia, choro, esperança... Lembro também que no dia seguinte, todos no colégio choravam muito e mal acreditavam na morte de Ayrton Senna.
É provável que as crianças e jovens de hoje estranhem, tamanha sensibilização pela morte de um "ícone", afinal de contas todos os dias morrem pessoas conhecidas do público. A verdade é que Senna era diferente, não que fosse melhor do que alguém, mas a imagem que ele passava era "especial". E falo dessa forma, porque tive o prazer de acompanhar ele "ao vivo" (da tela da tv, é claro), o que certamente contribuiu para que com sete anos já gostasse de Fórmula 1.
As manhãs de domingo eram "mais" agradáveis. Acordar cedo no fim de semana deixava de ser tão chato, até mesmo porque por aproximadamente uma década, Senna dava alegria a seu povo, e até mesmo "orgulho" para aqueles que não sentiam esse sentimento de outra forma. Com sua morte, a Fórmula 1 perdeu deixou de ser tão empolgante, e desde então, não consigo destacar outro atleta que consiga representar tão bem o Brasil.
Estava assistindo o dvd "Senna" e após acompanhar parte do desenvolvimento e crescimento profissional dele, não tem como não se entristecer com o final. Hoje, após 18 anos do acidente, não tem como não ter um pensamento diferenciado, até mesmo porque depois de tanto tempo, é muito mais fácil usar a razão e deixar por um instante a emoção de "lado".
O Grande Prêmio de San Marino (Ímola), deve ter sido o mais trágico da história da Fórmula 1. E não é sensacionalismo, os fatos mostram que aquele foi um final de semana para ser esquecido. Já no treino da sexta-feira, Rubens Barrichello sofreu um acidente violento, que embora tenha impressionado, não causou maiores danos. Senna o visitou no hospital, depois de pular o muro do mesmo por ter sido impedido de visitá-lo.
A "bruxa" continuou solta nos treinos do sábado, quando o austríaco Roland Ratzenberger colidiu violentamente contra a curva Villeneuve, após passar pela curva Tamburello, que seria "destaque" no dia seguinte. Senna que sempre se mostrou muito preocupado com a segurança dos pilotos, foi até o local do acidente, mesmo sabendo que isso não era permitido e que possivelmente seria advertido pela FIA (Federation Internationale de l'Automobile). O piloto austríaco viria a falecer no hospital, vítima de fraturas múltiplas no crânio e no pescoço.
Não precisa ser muito esperto, para imaginar que o clima de tensão rondava a Fórmula 1, após todos esses acontecimentos. Ainda assim, a FIA (infelizmente) não cancelou a prova (corrida) do domingo. Era visível, o conflito de sentimentos (tristeza, medo, angústia) que "moviam" os envolvidos, fossem eles pilotos, funcionários das equipes, profissionais da imprensa. O próprio Reginaldo Leme, amigo pessoal de Ayrton disse: "Eu mesmo, tinha certeza que ele não queria correr". E provavelmente, muitos outros também não!
E querendo ou não, os pilotos correram no domingo. E logo no início da prova, J. J. Lehto e Pedro Lamy protagonizaram um novo acidente, que felizmente não resultou em "mortos ou feridos". No entanto, minutos mais tarde Senna iria se chocar contra a Tamburello. Era o fim de carreira do maior piloto de Fórmula 1 (na opinião de muitos, inclusive a minha) de todos os tempos.
A pergunta que não quer calar até hoje é "Por que a corrida não foi cancelada?". Não tivemos tragédia o suficiente para tal? Ou uma morte e outro acidente grave não eram o bastante! Acredito que qualquer indivíduo com um mínimo de sensatez, iria compreender o cancelamento ou no mínimo, o adiamento da prova. Há quem diga que a FIA demorou de anunciar a morte (confirmada bem antes pelos médicos) de Roland Ratzenberger, no intuito de não terem que cancelar a prova. É duro aceitar, mas muitas vezes a vida é tratada como um objeto, que é útil enquanto pode trazer benefícios, lucro, vantagens... Depois que não "serve" mais, pode ser substituído por um novo "objeto". Claro que eles não podiam perder dinheiro com o cancelamento do evento. Já perder vidas...
Uma bandeira austríaca foi encontrada no carro de Senna. O piloto brasileiro que chorou no local da morte do colega no dia anterior, provavelmente iria homenageá-lo caso vencesse no domingo. Infelizmente, o sentimento de dor e respeito que Senna teve para com Ratzenberger, não era o mesmo que os responsáveis pela organização tiveram com ele e os demais pilotos. Caso contrário teriam cancelado aquela prova. E certamente, ninguém iria se chatear por não ter Fórmula 1, naquele domingo ensolarado.
Quanto vale a vida?
Parece que para "alguns", o valor de um ingresso de Fórmula 1!
"Quanto vale a vida de qualquer um de nós?
Quanto vale a vida em qualquer situação?
Quanto vale a vida perdida sem razão?
Num beco sem saída, quando vale a vida?
São segredos que a gente não conta
São contas que a gente não faz
Quem souber quanto vale, fale em alto e bom som..."
(Quanto vale a vida? - Engenheiros do Hawaii)